segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Pátria

Eram dois jovens da vila. Claudino e Francisco.
Até que a pátria os chamou para África, de onde não mais vieram. Nem os seus corpos.
Na vila ainda existem feridas que o tempo não sarou.
E, por tantas vilas, aldeias e lugarejos de Portugal, choraram mães, irmãos, namoradas, avós, amigos.
Depois de tantos anos passados, pergunto-me porque pátria foram estes jovens sacrificados.
Provavelmente pela mesma pátria que permitia a uns quantos senhores serem os donos não só de Portugal como também de muitos povos africanos.

sábado, 27 de novembro de 2010

Na capela do cemitério

Entravam no cemitério com ar pesaroso, tristes, pelas perdas sofridas, julgaria quem os visse.
Porque quem os conhecesse, saberia que, cruzado o portão, caminhariam na avenida central até chegarem ao miradouro de onde se avista o Tejo e toda a Lezíria.
E, depois, espreitando para um lado e para o outro, entrariam na capela do cemitério.
E, entre beijos apaixonados, iam pedindo perdão a Deus pela invasão da sua casa.
E, Deus, lá do alto, abençoava aquele pequeno lugar na terra e os dois jovens amantes. No fundo, fora a recomendação que seu filho deixara: Amai-vos uns aos outros, como eu vos amei.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Revolta

Cigarro ao canto da boca, gadanha ao ombro e um olhar de revolta.
Se todos fossem como ele, pensava, as coisas não estariam assim.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Pulo do Lobo

Sugado pela terra, apertado pelas rochas, o Guadiana arrasta-se, na direcção do mar.
Lembra o povo pobre na caminhada pela vida.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A dor de S. Pedro

E, triste, S. Pedro pediu a Deus que perdoasse. Não de ter negado por três vezes Jesus, porque isso, sabia, Jesus que o conhecia, lhe perdoaria.
Pediu perdão, em nome de quantos se servem do bem comum, aproveitando a ingenuidade, o atraso e, também egoísmo, do rebanho.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

S. Miguel

A Ilha era, então, um mistério, pouco mais conhecia que a lezíria.
E, viagem a viagem, fui descobrindo um povo habituado ao isolamento de muitos anos, a uma vida de trabalho, a uma terra fértil, mas cujas entranhas fervilham.
Um povo religioso, cuja fé, sem igual, tem os seus alicerces em muitas décadas de sofrimento e de abandono.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

O pastor


Trouxe-o um dia de S. Pedro do Corval. Viria a saber depois que o pastor e as suas ovelhas seriam, muitas das vezes, a minha companhia na ceia. Noite dentro, sento-me na cozinha, tendo em frente a planície alentejana.
Por vezes dou comigo a imaginar, no que pensaria do pastor, o artista que o pintou no prato e que o criou tão feliz.
Imagino-me, então, também pastor, calcorreando os pastos, tendo por companhia um cão amigo e a paisagem tranquila do Alentejo.
E o pastor, ouvindo-me, finge que me não vê e sorri.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Vindima

O pormenor de um painel de azulejos, no mercado de Santarém, representa uma vindima, no princípio do século passado, mas também, o Toino Zé, grande amigo do Pirico.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Rio Homem de André Gago

«O que o homem inventou foi a indiferença, que a natureza desconhece. Ninguém pode chamar indiferente ao leão, ao abutre ou ao chacal, mas um homem que submete outro homem ao engenho da sua crueldade só é concebível como algo que se ergue contra a própria natureza.»

Rio Homem é o primeiro romance de André Gago. Nestes dias fui levado a viver, de um fôlego, a história de um refugiado da guerra civil espanhola e a da aldeia comunitária de Vilarinho das Furnas, que o acolheu. Foi como se tivesse mergulhado na aldeia submersa e recuasse no tempo.
Um excelente romance!