segunda-feira, 29 de março de 2010

Um sorriso no eléctrico

Com a câmara esperei o eléctrico. E quando se aproximava, pela ruas de Alfama, aprontei-me, para o disparo.
Fiquei a olhar uns segundos, mas não resisti.
Tantos anos em Lisboa, tantos rostos. Normalmente, tristes, cansados.
Mas aquele sorriso enigmático cativou-me.
Seria para mim? Não! Eu não o mereceria.
Deveria ser um sorriso de felicidade interior, daqueles sorrisos que são quase peças de colecção.

sábado, 27 de março de 2010

O almoço na pesca

Pelo sim, pelo não, aviámo-nos antes da pescaria. E foi uma boa ideia, porque, nesse dia, o peixe não apareceu.
Metemos de tudo na panela. Primeiro um refogadinho, com muita cebola. Depois carne, chouriço, bacon, batata, cogumelos.
Já não pescámos da parte da tarde.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Hora da despedida

Comecei o blog com o meu amigo Flash e será com ele que o encerro.
Somos dois velhotes, dois cotas com alguns problemas por resolver, como diria alguém um dia destes.
Provavelmente voltaremos. Ou talvez não.
Fica a fotografia do Flash no dia em que se despediu da praia.

Solidão

Em redor uma multidão de coqueiros.
E esta pobre planta tem de crescer só.
Lembra a solidão em que muitos de nós vivemos, quantas das vezes rodeados de pessoas.

quinta-feira, 25 de março de 2010

Espíritos apaixonados

Ali se encontraram as duas vontades.
Nas asas da borboleta, na avenida rodeada de palmeiras.
Por entre o sussurrar do rio, que ali perto corria, ele ia, timidamente, falando de amor. E ela sorria.
E, mais leves que a borboleta, deixaram-se ir, de flor em flor, umas vezes de mãos dadas, outras com carícias mútuas.
E assim se passou muito tempo, horas talvez, porque os espíritos não medem o tempo como nós.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Santinho dos Pombos

Quedaram-se, mãe e filha, a olhar para o Santinho das Pombas.
Estavam em Santiago de Compostela, o ponto final de muitos caminhos, percorridos ao longo de centenas de anos por milhares de peregrinos.
Na cabeça do Santinho (poderia ser São Francisco de Assis, o irmão de todos os seres vivos) uma pomba.
Mãe e filha compreenderam que assim se chamasse o santo.
Provavelmente os pombos também o saberiam.

terça-feira, 23 de março de 2010

Mármore de Vila Viçosa

Das suas entranhas, esventradas pelo homem, a terra dá de tudo.
Simples campas, adornos, estátuas, palácios.
Quanto esforço, suor, lágrimas, para cortar o mármore em Vila Viçosa.
Ali ficámos, eu e o meu filho, olhando a profundidade, a dimensão do esforço, sem palavras, confundidos.

Almourol

O castelo de Almourol, no meio do Rio Tejo, simboliza muito mais que as lutas do principio da nacionalidade.
Muitas lendas se contam sobre o castelo.
Até eu creio que vi, do lado sul do Tejo, uma Moira encantada, perdida no olhar, presa no tempo, procurando o seu amor. E ali fiquei, sem a moira dar por mim, tamanha era a busca incessante dos seus olhos.
Percorria as muralhas, as torres, as escadas, as ameias.
E eu, de mansinho, afastei-me.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Sou pequenino

«Eu sou pequenino!
Não sei fazer nada,
Só sei ir à cozinha
Comer marmelada.»

domingo, 21 de março de 2010

Belos dias

Belos dias!
Tenho saudades da Madeira. Saudades do seu viver, do seu povo, da sua beleza.
Mas também saudades da tranquilidade e do amor que por ali se respira.
Tenho saudades de amigos que deixei, alguns que acompanhei no seu início de vida.
Um dia destes terei de regressar.

sábado, 20 de março de 2010

Primavera

Chegou a Primavera!
A terra embeleza-se para germinar.
Por esta altura faziam os Celtas festas em homenagem à Deusa Oster, a Deusa da Fertilidade, simbolizada num coelho.
Hoje ao comemorarmos a Páscoa, sem o sabermos, retomamos, com nova roupagem, cultos antigos.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Dia do Pai

É dia do pai!
Mesmo que muitos meninos não o tenham conhecido, acabam, neste dia, por imaginar como ele teria sido, se tivesse sido pai.

quarta-feira, 17 de março de 2010

Castanhas quentinhas

Fui descobri-la no Mercado do Forno do Tijolo, em Lisboa. A gravura, reproduzida no azulejo, data de 1819.
Poderia ter sido a Perpétua, a Emília, a Maria.
A única diferença com as actuais assadoras de castanhas está nos meios utilizados. Se naquela época, a Perpétua teria de acarretar o fogareiro, o assador, o banquinho, a travessa e as castanhas, hoje o motociclo transporta tudo.
Tal como hoje, a Perpétua ocupa a primeira metade do ano a trabalhar nas quintas ou para as senhoras. Depois vende fruta. Chegada ao Outono, anicha-se junto ao fogareiro e vai apregoando umas castanhas quentinhas.
No seu casebre de madeira, os filhos esperam que traga um pedaço de pão.
Mais tarde, chega o companheiro, irritado com a vida. A fuga na pinguita não o aliviou. A Perpétua ainda não terminou o seu dia de sacrifício.

terça-feira, 16 de março de 2010

A quinta

Há criaturas que me assustam!
Servem-se da ideologia para amordaçar os que acreditam nessa ideologia.
Adulteram por completo quaisquer regras.
Criam leis com uma fraseologia de justiça, para retirar a quem tem pouco.
Prometem mundos e fundos para os pobres. Sabem que com papas e bolos se enganam os tolos.
Porque os pobres continuam pobres e os que não eram totalmente pobres não tarda muito que o sejam.
Os que eram ricos, mais ricos ficarão.
É assim no reino dos macacos. Que não é um reino. Também não é uma república. É uma quinta com alguns donos e muitos servos, como convém.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Maria Clara

Bem corri os livros sobre plantas silvestres, pesquisei na internet, mas não consegui saber o nome desta planta que fotografei.
Provavelmente, deveria chamar-se Persistente. Que outro nome se poderia dar a uma flor que tem a coragem de se erguer por cima do granito da Serra do Gerês? Provavelmente a sua vida, no meio do agreste, será curta, demasiado curta.
A Maria Clara era uma flor parecida. Tão bonita quanto rebelde. Cresceu em solos áridos e, sem as raízes adequadas, não durou muitos anos.
Que esta flor silvestre recorde uma menina cheia de vida, mas com uma vida demasiado curta.

Gerês - Bom Jesus das Mós

Chegado ao Monte da Carvalheira subiu as escadas que levam ao Bom Jesus das Mós e quedou-se, em silêncio. Fechou os olhos e viu as imagens de um menino que por ali se fez homem, antes de partir para França.
Lá estavam as mesmas aldeias que correra na sua juventude.
Obrigado Bom Jesus das Mós por tornar a ver a minha terra. A terra que me viu nascer e crescer.
Esqueceu a mágoa da partida, a revolta por uma sociedade que obriga o povo a emigrar, deixando as aldeias vazias de gente.
Obrigado Bom Jesus das Mós por devolveres a esperança que os homens traíram.

domingo, 14 de março de 2010

Giesta

A giesta chorou nesse dia. Chorou de contentamento.
A chuva miudinha saciou-lhe a sede. Depois o sol aqueceu-lhe o coração.
Nesse dia a natureza sentiu o prazer da vida.
Nesse dia, ali bem perto.
Porque a natureza é vida.

terça-feira, 9 de março de 2010

A Ilha debaixo do mar

Terminei a leitura do romance de Isabel Allende, A Ilha debaixo do mar.
Zarité, ou Tété, é uma escrava que gravita no que viria a ser o Haiti, em Cuba e, por fim, em Nova Orleães.
Dei comigo a pensar, como foi possível um homem escravizar o seu semelhante, com a ganância do enriquecimento, usando como pretexto a cor da pele. No entanto essa cor já não era impedimento para a violação sistemática das meninas negras. Um dia destes, a um amigo de S. Tomé, ainda com alguma desconfiança dos brancos, eu disse-lhe, que também por aqui a escravatura se fez notar. A propriedade das pessoas não era, em termos formais, dos grandes proprietários. Mas de facto era-o. Confundir os brancos com os exploradores é um grande erro.
Negros e brancos foram (e será que deixaram de o ser) os instrumentos de uma elite que a ambas extorquía o suor, enriquecendo sob a protecção do poder político.
E as elites não têm cor.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Dia da Mulher

Hoje foi dia da Mulher.
E foi aos confins da Serra da Estrela que fui buscar uma das primeiras mulheres da minha vida. Não a conheci, mas foi a mãe do meu pai, a minha avó Emilia.
Eram (e continuaram a ser depois disso) tempos bem difíceis.
Mas as mulheres, sofrendo muitas das vezes em silêncio, foram os anjos protectores das gerações passadas e das actuais.
Um dia destes os meus filhos irão ver mulheres ser ordenadas sacerdotes. Então dirão que a Mulher atingiu a plenitude dos seus direitos, porque a reconhecerão, também, como interlocutora entre os homens e Deus e esquecerão os dias negros da idade média.

domingo, 7 de março de 2010

Fim triste

Quando formavam um casal, ele transformou o amor em ódio. O que deveriam ser carícias, eram maus tratos, eram gritos, era álcool.
Ela desistiu dessa luta inglória. Conheceu um amigo que aprendeu a amar. E com ele construiu um outro ninho, onde abundava o amor, a solidariedade, os momentos disponíveis de um e outro.
Ele agora vingava-se, retaliando no novo ninho. Mas era tarde, muito tarde.
Acabou por ficar só, quando poderia ter sido feliz.
Por vezes temos a felicidade na mão e deixamo-la ir.

Gerações de ninhos

Empoleirados bem no alto, este casal de cegonhas descansa da árdua tarefa da construção do seu ninho. No lugar não abundam os espaços disponíveis e, por isso, construíram-no em cima de outro ninho, onde um outro casal teria visto nascerem os seus filhotes. Este, por sua vez, também o fizera em cima do ninho original.
Lembra os modernos espaços, construídos sobre as ruínas romanas, as quais, por sua vez, assentaram nas construções dos primeiros povos.
Que força a da vida!

sábado, 6 de março de 2010

Mã, ele vendeu-me por uns cigarros

Li há pouco tempo o livro de Marth Long, Mã, Ele Vendeu-me por uns cigarros.
Narra a história de uma menina (a autora), cuja infância, passada nos bairros de Dublin, na Irlanda dos anos 50, atingiu os limites inimagináveis da pobreza.
Em Portugal também se vivia de forma semelhante nas grandes cidades, em especial nos subúrbios de Lisboa, para onde acorriam milhares de pessoas à procura de melhores dias.
Pontinha, Carenque, Damaia, Venda Nova, Brandoa, são percursos das décadas de 50 e 60. São marcas indeléveis de sobrevivência.
As boas recordações vieram da lezíria, da harmonia rural.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Um povo cansado

Imaginei um povo a partir, procurando, noutros sítios, um pouco de harmonia.
Um povo cansado e derrotado.
Na terra que os seus pais lhe deixaram apenas ficaram uns tantos.
Porque esses, o povo não os quis levar.

Tempos magros

A água deste açude corre a uma velocidade vertiginosa, que nada tem a ver com a tranquilidade dos seus dias de soalheira.
Lembra os dias da semana, cheios, mas simultaneamente ocos.
E esperamos que a tranquilidade regresse ao açude.
E contamos os dias, as horas que faltam para o fim da semana.
A água corre. O tempo também.
E, com tanta abundância, sente-se um vazio.

segunda-feira, 1 de março de 2010

Amigo de infância

O ano de 1987 foi repleto de acontecimentos.
Em Abril, a minha vida profissional mudava por completo. Em Junho falecia o meu irmão.
Mas foi também nesse ano que fui redescobrir, nos Açores, um grande amigo de infância.
Jamais poderei esquecer o dia em que fomos tomar banho a um dos chabocos que o Tejo enchia e fiquei sem pé. Não fora um seu empurrão e teria ficado por lá. Estávamos, então, com os nossos treze, catorze anos.
Hoje teremos mais alguns, mas a nossa amizade perdura.